quarta-feira, 15 de novembro de 2006

VOCÊ SABE FALAR E ESCREVER PORTUGUÊS CORRETAMENTE?

Em plena era da globalização, uma pergunta como essa pode parecer fora de contexto. No entanto, cresce o número de empresas preocupadas com a forma como os funcionários falam e escrevem a língua materna

Rui Barbosa, um dos homens mais inteligentes da história brasileira, disse certa ocasião que "falar e escrever corretamente é dever de todo cidadão". O tempo passou e a frase parece não ter servido de inspiração para um grande número de brasileiros que, além de falar mal o Português, incorpora termos estrangeiros - principalmente ingleses - na comunicação do dia a dia.
Quem não está preocupado em dominar a língua deve tomar cuidado. As empresas estão "de olho" na maneira como os funcionários escrevem e falam. E mais: nos processos de admissão descartam currículos de profissionais que mostram ter pouca intimidade com o idioma.
"As pessoas falam e escrevem mal porque não sabem ler", disse a professora Laurinda Grion à revista "Você S.A.". Autora do livro "400 Erros que os Executivos Cometem ao Falar e Redigir", publicado pela editora "Edicta", Laurinda critica as escolas que não ensinam os alunos a fazer uma leitura crítica.
A falta de hábito da leitura está associada a fatores como baixa qualidade do ensino, no qual a leitura não é incentivada; poder aquisitivo (as publicações são muito caras para a maioria das pessoas); falta de tempo em função da correria do mundo moderno. Para o jornalista Eduardo Martins, editor do jornal "O Estado de S. Paulo" e autor do "Manual de Redação e Estilo", do mesmo jornal, o problema está na qualidade do ensino superior. "As faculdades deveriam suprir as deficiências dos alunos, pois falar e escrever bem são habilidades importantes para a formação profissional", afirma.
A verdade é que dominar a língua portuguesa é muito difícil. Cheia de regras - nem sempre precisas - não há quem, por mais gabaritado, que não tenha cometido deslizes ao falar ou escrever. O próprio leitor, por exemplo, no final da leitura desta matéria (ou do próprio jornal) poderá ter deparado com erros cometidos pela redação.

Vale a pena falar Inglês?
Falar, ou escrever, termos ingleses é importante, desde que no contexto adequado. Ou seja, quando a expressão já está incorporada no universo do executivo, como marketing e benchmarking. O que não é aceitável é um discurso bilíngue, do tipo "vamos estartar a reunião".
Dominar a própria língua é uma das maiores qualidades de um profissional. Dessa forma, vale a pena substituir "deletar" por suprimir, "printar" por imprimir, e outros neologismos.


"A nível de..."

"A nível nacional estamos conseguindo cumprir as metas estabelecidas". "A nível de joelho o atleta não vai conseguir se recuperar". "A nível de produção a empresa vai muito bem".
A pérola em questão, apesar de ser uma das preferidas de ministros e figurões, não existe na língua portuguesa. A afirmação é do professor Pasquale Cipro Neto, que se notabilizou pela maneira objetiva e direta de combater erros e cacoetes e esclarecer dúvidas por meio do programa "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura. "Os erros mais difíceis de combater são os perpetrados e sacramentados por pessoas influentes, que acabam servindo de modelo", observa. Seguindo as regras, deve-se usar "no âmbito nacional" em vez de "a nível nacional" e eliminar o termo para citações que não se referem a algum tipo de medição.
Outra "preciosidade", segundo Pasquale, é a frase "ele não se encontra no momento", tão comum para a maioria das secretárias. "Quem fala corretamente o idioma pode acreditar que a pessoa em questão está sofrendo de um temporário surto de desajuste emocional", ironiza o professor. "Dizer simplesmente que ele não está pode evitar esses mal-entendidos", completa.
As pérolas não são os únicos açoites na língua portuguesa. A relação compreende o emprego de pronomes, conjugação e concordância verbal, concordância de gênero e grau, redundância, palavras mal pronunciadas, crase e uso inadequado de expressões.

Alguns exemplos:
• "Não lhe entendo", "Faz tempo que não lhe vejo" - Verbos que pedem complemento direto não combinam com pronomes oblíquos. O correto é: "Não o entendi", "Faz tempo que não a vejo"
• "Se você ver ele", "Quando eu propor", "se nós determos a inflação"; O correto é: "Se você o vir", "Quando eu propuser", "Se nós detivermos a inflação"
• "Houveram muitos presentes".O verbo "haver" no sentido de existir é impessoal. Portanto: "Houve muitos presentes"
• "São meio-dia e meio".Está duas vezes errado. Meio-dia é singular, e hora é feminina. Logo: "É meio-dia e meia"
• "Há um mês atrás". O correto é "há um mês" ou "um mês atrás"
• "Prioridade número um". Prioridade já é qualidade do que está em primeiro lugar. Assim, o número um não faz sentido.


Erros levam empresas a contratar professores

Entre os vilôes que contribuem para que as pessoas cometam erros de Português está o correio eletrônico. Diariamente são enviados dezenas de e-mails para pessoas diferentes e nem sempre os prazos apertados permitem consulta aos dicionários para verificar como são grafadas as palavras "duvidosas".
No cotidiano de qualquer atividade profissional, inclusive das que trabalham diretamente com o idioma, caso da área jornalística, erros podem acontecer. O problema é que um erro grave - falado ou escrito - pode classificar seu autor, ou a empresa a que pertence, como incompetente.
Preocupadas com os erros de Português dos funcionários, muitas empresas estão contratando professores. Na lista de "alunos" estão pessoas das áreas administrativa e executiva. O que explica essa preocupação está no argumento citado pelo professor Sérgio Nogueira Duarte, autor da coleção de livros "Língua Viva", da editora Rocco. "Conheço boas companhias que perderam concorrências públicas por causa de erros de Português na proposta apresentada", relata.
O laboratório farmacêutico AstraZeneca foi mais longe. Editou cinco fascículos, batizados de "Língua de A a Z" e distribuiu aos funcionários. Produzidos especialmente pelo jornalista Eduardo Martins, a obra é resultado de uma pesquisa que detectou que os funcionários desejavam uma fonte de consulta para esclarecer dúvidas sobre Português.


Mobilização

Mobilizar as pessoas para voltar a estudar é muito difícil. As pessoas com nível superior têm receio de se expor e ser ridicularizadas pelas demais. Geralmente em função dos cargos que ocupam, são as que mais precisam fazer bom uso do idioma. Só que, por terem um diploma universitário, não querem passar a imagem de que não sabem escrever.

Regras para escrever bem
• Dedicar-se à leitura diária - Escrever bem sem ler é praticamente impossível. Recomenda-se ler autores de qualidade e um jornal por dia, uma revista por semana e um livro por mês
• Escrever, mesmo com dificuldade - Deve-se escolher uma notícia veiculada pelo rádio ou pela televisão e dar a opinião por escrito, mostrando depois para os colegas
• Consultar dicionários, livros do tipo "Tira-Dúvidas" e Manuais de Redação- Não se deve perguntar como se escreve determinadas palavras. Pode ser que as pessoas consultadas também não saibam.
• Assistir e ouvir documentários e programas jornalísticos - São ótimos para ampliar os conhecimentos gerais.


Fonte: Administrador profissional. Conselho Regional de São Paulo. São Paulo, ano xxv, n.198, dezembro de 2002.

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