quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Entrevista dada ao site Um Mix: "Papo de 5ª com Fabrício Lima"

Papo de 5ª com Fabrício Lima

Publicado por: ummix em: janeiro 28, 2010

Por: Edu Henrique | Foto: arquivo pessoal Fabrício Lima

Florianópolitano, o professor universitário e administrador Fabrício Lima roda o Brasil participando de fóruns e conferências que visam debater, incluir e melhorar temas relacionados aos gêneros sexuais. Atualmente está concluindo monografia no curso de MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela FUNDASC (Fundação dos Administradores de Santa Catarina) com o título: Um olhar de gênero nas organizações, e seus reflexos na gestão de pessoas: um estudo de caso no Comitê de Gênero Eletrosul. Do dia 25 a 30 de janeiro, participa do Congresso da ILGA – LAC, em Curitiba. Coordenador/Fundador do ROMA – Núcleo de Diversidade Sexual da Grande Florianópolis (criado em 2009), que é vinculado a ADEH Nostro Mundo. Atuou ainda como membro das coordenações das Conferências Estadual GLBT (2008), Educação (2009), Comunicação (2009) e foi coordenador da Conferência Estadual dos Direitos Humanos (2008), e membro da GALE – Global Alliance for LGBT Education. Militância, direitos humanos, legislação e educação são alguns dos temas desta entrevista.

Fabrício Lima

UM: Você se considera um militante em defesa dos direitos dos homossexuais?

FL: Me considero um ser humano que luta por seus direitos e pelos direitos de seus semelhantes. Desde pequeno aprendi com meus avós maternos a olhar para o próximo como se fosse um espelho, ou seja, somos iguais. Desde então trabalho em prol dos direitos humanos. Comecei trabalhando na Igreja, no Movimento da Juventude. Aos 7 anos de idade me mudei com minha família para Palhoça, na comunidade do Jardim Eldorado, e desde então comecei a me engajar pela comunidade. Aos 10 anos entrei num grupo de jovens que se chamava Grupo Jovem Esperança do Amanhã e aí não parei mais. Trabalhei na comunidade e na arquidiocese de Florianópolis com a questão da missionariedade, fiz voluntariado com organizações de eventos religiosos em prol da dignidade humana e comecei a estudar mais junto à Igreja, pois, na época, queria ser missionário e visitar outros países necessitados. Mas com o tempo comecei a estudar e ter novas visões de mundo, pois, percebi que não necessariamente precisaria sair para outro país para ajudar sendo que aqui no meu bairro, na minha cidade, havia muito o que se fazer. Como já estava fazendo minha graduação, tive os primeiros contatos com leituras acadêmicas e com pessoas que me deram a oportunidade de continuar lá meu voluntariado e foi aí que tive o meu primeiro contato com pessoas HIV positivos e trabalhei, junto com o Grupo “Anjos da Prevenção”, no meio universitário, com a prevenção ao HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis e também comecei junto com este grupo a dialogar um pouco sobre a questão da sexualidade e sobre a questão LGBT que era ainda um tabu na universidade e foi aí que comecei a me entender também como ser humano e como gay e, daí em diante, comecei a trabalhar com mais estes movimentos que na época em Santa Catarina não eram muito divulgados. Então eu não me considero só um militante e sim uma pessoa homossexual que luta por seus direitos e pelos direitos de seus semelhantes e quando me refiro aos semelhantes lembro do que aprendi com os meus avós: semelhantes são todos, independente se sejam pardos, negros, heteros, homo ou bissexuais.

UM: Como é sua relação com a Igreja hoje, sendo ela uma instituição que abomina o homossexualismo?

FL: Depois que comecei a fazer faculdade e tive contato com outros saberes que me fizeram refletir, eu pude analisar algumas coisas dentro da Igreja que eu nunca concordei e consegui ver o que eu poderia tentar modificar. Hoje, devido à correria do dia a dia e por opções que tomei, não fico mais tão próximo do ativismo religioso, mas mantenho contato com todas as pessoas daquela época ao qual “militava” lá e são meus grandes amigos. Desde padres, religiosos e leigos. Às vezes dialogamos sobre a posição que a igreja tem e a postura que a CNBB e o Vaticano tomam com relação à questão do aborto e LGBT.

UM: Nesta semana você participará de mais um congresso que visa promover a igualdade dos gêneros. Em todos estes eventos dos quais participou, que avanços você poderia relatar e com que intensidade eles costumam ocorrer?

FL: Estarei participando da V Conferência da ILGA na Regional da América Latina e do Caribe, que será realizada em Curitiba/PR, de 26 a 30 de janeiro de 2010. A ILGA – Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, pessoas Trans e Intersex – é uma federação mundial que congrega grupos locais e nacionais dedicados à promoção e defesa da igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas trans e intersex (LGBTI) em todo o mundo. Este evento tem como objetivo definir estratégias de promoção dos direitos humanos, da cidadania, da saúde e da cultura de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex na região da América Latina e do Caribe para o biênio 2010-2012, bem como eleger os Secretários Regionais e Sub-regionais da ILGA. Como todo movimento, assim como o dos negros, pessoas com deficiências e mulheres passaram por dificuldades e por grandes processos e lutas para reivindicar mais ações e direitos, o Movimento LGBT também passa. Até por ser um movimento novo, mas que mesmo em tão pouco tempo de existência no Brasil e Mundo já teve grandes avanços. Em Santa Catarina especificamente, o Movimento LGBT conquistou recentemente a questão do nome social para travestis e transexuais nas Instituições de Ensino da Rede Estadual, e isso é um dos grandes avanços que temos conquistado entre outros, como a questão da adoção. Muitos casais de gays e lésbicas já conseguiram adotar e estão muitos felizes com a vinda de uma criança para agregar mais felicidade ao lar. Vários avanços históricos em nosso Estado que aconteceram desde 2008 foram realizados também por nós, como as Conferências GLBT, Direitos Humanos, Promoção da Igualdade Racial, Segurança Pública, Comunicação, Educação, Cultura, entre outras, que tiveram participação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, e também heterossexuais. Inclusive as Conferências GLBT e Direitos Humanos foram chamadas e coordenadas pelo próprio movimento LGBT. Já temos algumas conquistas, mas temos muito ainda que lutar para conquistar mais, como a efetivação do Plano Nacional LGBT, e do Plano Nacional de Direitos Humanos III, a aprovação do PLC 122 que trata sobre a criminalização da homofobia no Brasil (criminalização das pessoas que comentem crimes Homofóbicos, Lesbofóbicos, e Transfóbicos no território brasileiro). Conquistamos a formulação de uma Frente Parlamentar pela Cidadania GLBT que defende, na Câmara dos Deputados e no Senado, as PLC’s que tratam sobre questões nossas, para que tenhamos mais dignidade e respeito enquanto seres humanos que somos.

UM: Como funciona a questão do nome social para travestis e transxeuais na Rede de Ensino Estadual?

FL: Assim como em Santa Catarina outros estados como Pará, e nossos visinhos Paraná e Rio Grande do Sul, também com o trabalho da militância, conseguiram a questão do nome social que é uma ação que está reparando um erro social, ou seja, travestis e transexuais masculinos ou femininos têm o direito de usarem o nome ao qual são caracterizados, e não é só a questão do nome, mas a questão de uso dos banheiros, do respeito e dignidade humana. Um exemplo bem claro que acontece nas Instituições de Ensino por conta desta não regulamentação nas Redes é quando a transexual quer usar o banheiro e a mesma não o pode pois é barrada de usar o banheiro feminino pela direção da instituição por que eles caracterizam a ou o transexual pelo fator biológico, ou seja, seus órgãos reprodutivos e não pelo que ela ou ele são. Estas Resoluções que o Movimento LGBT, em cada Estado está conseguindo, são solicitadas através da demanda do movimento social que formaliza uma justificativa e apresenta formalmente na Secretaria Estadual de Educação de seu estado, sendo dirigida ao Secretário, e, posteriormente, percorre por uma tramitação interna e é encaminhada ao Conselho Estadual de Educação, o qual analisa e, se necessitar, chama o movimento LGBT para uma audiência pública e dá seu parecer. Sendo um parecer favorável eles fazem uma Resolução dando as diretrizes básicas e depois o Movimento tem que articular em conjunto com a Secretaria Estadual de Educação as ações de efetivação desta Resolução. A questão da transexualidade é muito maior que só o uso do nome social ou de um banheiro. Teríamos que ter uma entrevista só com este tema que é de suma importância para desmistificar a transexualidade na cabeça das pessoas. O que temos que entender acima de tudo é que tanto os Transexuais, Homossexuais, Bissexuais e Heterossexuais são seres humanos e devem ser respeitados.

UM: Travestis, Transexuais e pessoas trans e intersex, quais são as diferenças básicas?

FL: O que temos que perceber é que os trans, ou seja, travestis e transexuais são seres humanos, como também as intersex, heteros, homos e bissexuais, e que devem ser respeitados acima de tudo. Mas para uma questão de entendimento de nomenclaturas irei colocar alguns pontos. Primeiramente temos que perceber que cada indivíduo tem suas particularidades, e então ele tem que se perceber enquanto segmentação (travestis, transexuais, intersex, heterossexual, homossexual e bissexual). Mas como o ser pode perceber isso? Bom, aí temos algumas “caixinhas para serem abertas”, parafraseando assim! Então vamos lá:

Transexual é o índivíduo que tem convicção de pertencer ao sexo oposto, o que pressupõe desejar suas características fisiológicas, muitas vezes obtendo-as por meio de tratamento e cirurgia. Um transexual é aquele cujo sexo biológico não confere com sua identidade de gênero, isto é, o senso pessoal que o indivíduo possui de ser homem ou mulher. Desta forma, a cirurgia de troca de sexo e o processo de transição (terapia hormonal, alteração de identidade, cirurgias plásticas, etc.) apresentam-se como quesitos inalienáveis da felicidade do transexual, harmonizando identidade, corpo e sexo.

Travesti é o indivíduo que se veste e se comporta social e mesmo particularmente como se pertencesse ao sexo oposto, o que, não raro, se complementa em alterações corporais alcançadas por meio de terapias hormonais, cirurgias plásticas, etc. A diferença entre transexual e travesti está na identidade do gênero: enquanto a transexual se sente como do sexo oposto, está convicto de pertencer e procura harmonizar corpo, sexo e identidade, o travesti, apesar de se comportar como pertencente àquele sexo, não apresenta problema semelhante na construção de sua identidade, aceitando o sexo biológico (como exemplo os órgãos genitais) apesar das alterações corporais que promove em si.

Intersex ou Intersexual é o indivíduo que nasce com genitália e/ou características sexuais secundárias que fogem dos padrões socialmente determinados para os sexos masculino ou feminino, tendo parcial ou completamente desenvolvidos ambos os órgãos sexuais, ou um predominando sobre o outro. No entanto, a ambigüidade física das pessoas intersexo pode não se ficar pelo aspecto visual dos genitais.

UM: Recentemente o presidente Barack Obama indicou um transexual para um cargo federal nos EUA. Que impactos essa indicação proporciona em relação ao preconceito?

FL: Esta indicação implica a visibilidade dos LGBT nos EUA e no mundo. Pois caem por terra alguns estigmas que pairam na sociedade. Travestis e Transexuais não são profissionais do sexo e sim seres humanos que são deixados à margem desta sociedade que diz ser “humana”. É muito fácil criticar ou até mesmo travar possibilidades de crescimento no mercado de trabalho para esta população, mas aí deixo o seguinte questionamento, “se critico e não dou a possibilidade deste indivíduo crescer e ainda retiro os que ainda tem de sair das margens sociais, como tenho o direito de criticar e descriminar este ser, será que não deveríamos criticar sim, mas as nossas próprias atitudes de intolerâncias e fobias?” E isso acontece não só com os LGBT’s, mas com negros, pessoas com deficiência, índios e por aí vai. No caso de Amanda Simpson, que assumiu este cargo executivo da administração federal, tenho a certeza que ela com os seus 49 anos de idade já passou por muitas barreiras e que teve que lutar muito contra o preconceito e conseguiu demonstrar seu potencial em quanto mulher trans.

UM: Que impactos uma indicação como essa causaria no Brasil?

FL: No Brasil já existem mulheres e homens LGBT’s ocupando cargos em lugares de destaque tanto nos governos quanto nas empresas privadas, um exemplo recente é o da Mitchelle Meira, que assumiu a coordenação geral de promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, criado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Mitchelle é lésbica de Fortaleza. Outro caso foi de vereadores Trans e Homossexuais assumindo mandatos. O reconhecimento de competência profissional no Senado Brasileiro é o caso de Caio Varella, que é assessor da Senadora Fátima Cleide e que não mede esforços para auxiliar a senadora nas causas sociais como um todo. Pois quem ganha não é somente o indivíduo, mas sim toda a sociedade brasileira quando se tem pessoas competentes trabalhando nestas posições.

UM: Recentemente o governo de SP liberou recursos para a criação de uma Escola Jovem Gay aberta a todos. Como educador você acredita que se outros Estados aderirem a esta ideia, em breve os atos culturais homossexuais serão desmistificados? Que contribuição essa iniciativa proporcionará em relação à auto-estima dos homossexuais?

FL: Na verdade esta “escola” é um Ponto de Cultura, ao qual se chama Escola Jovem Gay, que tem o objetivo de valorizar e difundir a Cultura LGBT em cursos que serão abertos aos jovens. Sendo que o público que participa desta escola não são só lésbicas, gays, bissexual, travestis, transexuais, intersex, mas também heterossexual. O intuito deste projeto é difundir a cultura LGBT e também, por conseqüência, capacitar jovens para o mercado de trabalho evitando assim a evasão em cursos que é a realidade de nosso país. Há muita evasão escolar em cursos técnicos por conta da discriminação com pessoas LGBT, forçando-os a saírem destes estabelecimentos escolares e ficando às margens. Conversei bastante ontem com Chesller Moreira, que coordena o Grupo E-Jovem em Campinas/São Paulo, no Congresso da ILGA-LAC, e estamos vendo a possibilidade de uma parceria deste projeto em Santa Catarina, até porque já está se pensando desde 2009 na criação do Projeto Criar e Empreender em Santa Catarina, que é de minha autoria e que visa a capacitação de jovens cursando a 7ª e 8ª série do Ensino Fundamental, Ensino Médio e do EJA que tenham idade mínima conforme legislação dos estágios no Brasil, para o mercado de trabalho e também a possibilidade deles estarem criando sua própria empresa através de uma ideia que depois de discutida e analisada entre os alunos e professores que darão o suporte técnico à inserção desta ideia de empresa, sendo encubada durante um tempo e depois os alunos teriam sua própria empresa, criando assim possibilidades de empregos aos jovens da região, aumentando a movimentação econômica regional. Os dois projetos, tanto este do E-Jovem quanto o do Roma – Núcleo de Diversidade Sexual da Grande Florianópolis, compartilham o fato de capacitarem jovens ao mercado de trabalho e de terem mais oportunidades.

Fabrício em uma de suas palestras

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Publicado em: 28/01/2010
Acesso em: http://ummix.wordpress.com/2010/01/28/papo-de-5%C2%AA-com-fabricio-lima/