Rev. Márcio Retamero
Pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro
O mês de março de 2009 foi nefasto para as conquistas dos direitos LGBT's nas Câmaras Municipais Brasileiras. Os vereadores não perderam a chance de manifestar a homofobia que lhes vai à mente e ao coração. Somente neste mês, tivemos quatro manifestações nas Casas de Leis municipais em nosso país: em Curitiba, Osasco, São Roque e Manaus.
Em Osasco, o vereador Carlos José Gaspar (PT do B/SP), no dia 24 de março, chamou os gays e lésbicas de "doentes". Disse que as pessoas respeitam os gays por dó, porque são doentes, precisam de tratamento! Em São Roque e Manaus leis que criavam o dia da diversidade e um projeto contra a homofobia respectivamente, foram rejeitados. Indispensável dizer que os argumentos desses senhores vereadores recorriam à Bíblia e à religião cristã para afirmarem seus preconceitos contra a comunidade LGBT.
É impressionante que isso aconteça nos dias de hoje. Não que os senhores vereadores não tenham direito às suas opiniões pessoais acerca da diversidade humana, mas fazer isso, das suas opiniões, para impedirem que os LGBT's tenham seus direitos garantidos, votando contrário aos projetos que visam a afirmação da cidadania homossexual, é simplesmente absurdo e inaceitável!
Já faz alguns anos que a militância LGBT brasileira vem chamando atenção para algo que está em nossa Carta Magna: o Estado brasileiro é laico. Isso significa que o Brasil não é um país católico ou protestante. Seus cidadãos têm o direito constitucional de liberdade religiosa, e, por isso, negar direitos aos seus cidadãos, gays ou heterossexuais, baseados em suas opiniões e questões de fé, vai de encontro o que reza a Constituição do Brasil. É não cumprir a Lei Maior do nosso país.
Todos esses políticos eleitos deveriam ser processados por quebra de decoro parlamentar por não respeitar a Constituição do Brasil de 1988. Qualquer cidadão brasileiro que não cumpre os deveres afirmados pela Constituição tem que responder em juízo sobre isso, pois desrespeitam as leis do país. Não podem exercer mandatos os que quebram a Constituição.
Há também nestas manifestações o alerta para o povo brasileiro para as próximas eleições. Os religiosos, cristãos ou não, que fazem de suas confissões de fé, bandeiras políticas, devem receber das urnas um redondo não. Que fique claro: o Estado Brasileiro é laico. Isso não é sinônimo que o Estado Brasileiro é ateu, mas também não é sinônimo que o Estado Brasileiro tenha nas Escrituras Cristãs o paradigma para a aprovação das leis que regerão a Federação. Os cidadãos do Brasil precisam enxergar que é retrocesso enviar para as Casas de Leis e para o Poder Executivo pessoas que usam da religião para vencer nas urnas. A luta por um Estado Laico e pela liberdade de consciência, que teve nos protestantes de outrora seus maiores defensores, não pode ser manchada por esses políticos que usam da religião para votarem. O que eles estão fazendo, na verdade, é trair seus antecessores cristãos protestantes que lutaram muito para que no Brasil fosse lei a laicidade do Estado.
As atuais manifestações homofóbicas dos parlamentares evangélicos também é um sinal para as igrejas inclusivas brasileiras. Isso mostra que a nossa luta por uma igreja que inclui homossexuais na igreja de Cristo, não é meramente militância espiritual por uma cidadania "celestial" dos gays e lésbicas - até porque a salvação, portanto, a cidadania espiritual dos seres humanos, independente de orientação sexual é livre e espontânea decisão e eterno decreto de Deus o Pai, que desde antes da fundação do mundo, elege os seus filhos e filhas. Nossa luta é também política e acontece no mesmo terreno que eles lutam contra nós: o terreno da religião cristã. Eles afirmam com as Escrituras em punho que Deus abomina os homossexuais. Nós, com as Escrituras também em punho, afirmamos exatamente o contrário: a Bíblia não condena a homossexualidade! É uma leitura fundamentalista/literal das Escrituras, portanto, errada, afirmar ou usar a Bíblia na condenação e na não concessão de direitos aos homossexuais.
É importante afirmar que a nossa militância enquanto igreja inclusiva não é somente religiosa, mas também política para que não façamos como os avestruzes, enterrando nossas cabeças no chão, nos escondendo ou pensando que a luta política não faz parte do nosso ministério. Negar o componente político de nossa militância é trair não somente o caráter de nosso ministério, mas também os mártires da nossa religião como descreve o Novo Testamento e a História do Cristianismo.
O livro do Apocalipse é emblemático em seus três primeiros capítulos que constituem a Introdução e as Sete Cartas às igrejas da Ásia ao mostrar que o cristianismo sempre, desde Jesus, esteve na oposição dos poderosos que usurpam o poder político a eles concedido. As Sete Igrejas do Apocalipse estavam sofrendo profunda perseguição política por parte do Império Romano, seus membros sendo executados e encarcerados, porque eles negavam a dar glória ao Imperador de Roma, não lhe prestando culto. Ao fazer isso, declaravam que o único Senhor era Jesus.
A atuação de Paulo e as manifestações do Apóstolo em suas epístolas autênticas também demonstram o caráter político da atuação cristã na sociedade na qual estavam inseridos. Ao afirmar o Apóstolo Paulo que para Cristo, e, portanto, na Igreja, não há judeu ou grego, homem ou mulher, escravo ou livre, mas que todos eram um só corpo em Jesus é explosivamente contrária ao entendimento dos papéis sociais de homens, mulheres, escravos e livres numa sociedade profundamente estratificada como a sociedade do Império Romano.
Sabemos pela História do Cristianismo que muitos mártires, de ambos os sexos, sofreram sob as botas dos opressores. Eles resistiram e entregaram suas vidas, não as tiveram por preciosas, na luta pelo estabelecimento do Reino de Deus. Como disse Justino, também mártir: "o sangue dos mártires é a semente da Igreja". Quanto mais matavam mais o Senhor levantava os seus!
Com a liberdade de culto estabelecida no Império Romano, a roda da história girou e os perseguidos cristãos viraram perseguidores. A Igreja se estabeleceu e na vaga de poder deixada pela destruição do Império de Roma, tomou ela o poder nas mãos e oprime desde então os que livremente rejeitam seus ensinos e valores. Milhares foram queimados na Inquisição. Milhares foram encarcerados nas guerras de religião. Milhares mortos e expropriados na Cruzada Medieval. Em todo tempo, desde a Era dos Descobrimentos Marítimos no século XVI ao imperialismo do século XX e à redemocratização da América Latina, a Igreja, e hoje a Igreja Evangélica, tem se colocado a favor dos poderosos e contra os oprimidos. Isso é negar a nossa história e trair a nossa fé.
Nós, da igreja inclusiva, temos no dia de hoje a oportunidade de não apenas realizarmos uma Nova Reforma na Igreja de Cristo como também de resgatar o passado da Igreja no que diz respeito à atuação positiva na sociedade, lutando exatamente onde nossos predecessores lutaram: a favor dos oprimidos sociais como éramos antes de alcançarmos as casas de poder. Nós da igreja inclusiva temos agora a chance de honrarmos nossos mártires cristãos, empenhando-nos na luta pela cidadania LGBT, os oprimidos ou uma visível parcela dos oprimidos de hoje. Temos que encarnar nosso papel atuante na sociedade como encarnou os cristãos da Ásia Ocidental na época do Imperador Domiciano (cerca da década de 90 do I século) que perseguiu as Sete Igrejas. Nós temos que mostrar ao povo brasileiro que gays e lésbicas também crêem em Jesus e tem nas Escrituras Sagradas do Cristianismo nossa regra de fé e prática. Temos que mostrar à nossa sociedade que nossa militância não apenas religiosa, mas também política no amplo sentido da palavra.
Igreja Inclusiva do Brasil mostra a tua cara! Faça valer sua vocação de Igreja e seu chamado para ser sal da terra e luz do mundo! Inspiração não nos falta. O Rev. Troy Perry e os membros das Igrejas da Comunidade Metropolitana em todo o mundo têm demonstrado em suas atuações genuinamente cristãs na sociedade que nossa luta também acontece no campo político, seja organizando passeatas pelos direitos dos oprimidos LGBT , seja lutando contra o HIV, seja exigindo dos políticos o devido respeito ao gênero humano, seja desafiando o Estado contraindo o matrimônio ainda quando proibido, respaldados na Lei que diz que todos somos iguais (isso fez os metropolitanos de Nova Iorque), enfim, dar valor a nossa cidadania a partir do claro entendimento do Novo Testamento: para a liberdade Cristo nos libertou, sejamos pois livres, e não nos submetamos novamente a jugo de escravidão.
Nossa escravidão ficou pra trás, na Cruz de Jesus. Somos livres e deixar que outros seres humanos nos escravizem novamente é pecar contra o Senhor que em Cristo nos libertou. À luta querida Igreja Inclusiva! Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo! Amém.
Rev. Márcio Retamero
Pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro