quarta-feira, 4 de maio de 2011

Entidades de direitos humanos e homossexuais defendem união homoafetiva



Na condição de amigos da Corte (amici curiae), oito entidades defenderam nesta quarta-feira (4), no Supremo Tribunal Federal (STF), que a união estável homoafetiva seja equiparada às uniões estáveis entre heterossexuais.
O STF iniciou, nesta tarde, o julgamento de duas ações que visam assegurar aos casais homossexuais os mesmos direitos dados a casais heterossexuais, garantindo a eles o direito a pensão alimentícia, benefícios previdenciários e partilha de bens no caso de morte do companheiro, entre outros. Um pedido é da Procuradoria-Geral da República (ADI 4277) e outro, do governo do Rio de Janeiro (ADPF 132).
Os representantes das entidades afirmaram que não reconhecer o caráter de união estável a casais homossexuais viola princípios a Constituição Federal e até mesmo normas internacionais.
A figura do “amicus curiae” é permitida pela Lei 9.868/99 e significa a intervenção de terceiros no processo, na qualidade de informantes, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à solução da controvérsia, além de ser um fator de legitimação social das decisões da Corte constitucional.

Conectas Direitos Humanos
De acordo com o advogado da entidade, Oscar Vilhena, o STF deverá fazer o papel de defensor da democracia ao decidir sobre a matéria. “É a mais pura responsabilidade de um Tribunal defender os direitos fundamentais, previstos na Constituição, de uma minoria que é discriminada pela maioria”, afirmou.
Ele também ressaltou que a discriminação de casais homossexuais “não se dá apenas na esfera pública, com a discriminação legal, com o preconceito”, mas também ocorre “no contexto da família”.
“Quando falamos em discriminação racial, estamos falando de uma luta fora da família. Aqui estamos falando de uma luta que tortura as pessoas desde jovens dentro das suas próprias famílias”, afirmou Vilhena.

Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM)
O IBDFAM, por meio da vice-presidente do instituto, Maria Berenice Dias, falou a respeito das 1.046 decisões que o Brasil já apresentou em favor "de alguma espécie de direito dos homossexuais”.
Segundo a vice-presidente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assegurou, em decisão anterior à Constituição de 1988, o direito sucessório a parceiro sobrevivente. A advogada disse ainda que há ações julgadas e pendentes de julgamento no Superior Tribunal Militar (STM) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre relação homoafetiva.
A advogada do IBDFAM também fez referência a decisões tomadas no âmbito administrativo, onde foram concedidos “vistos de permanência, pensão por morte perante o INSS, direito (ao parceiro) a ser declarado como dependente no Imposto de Renda e para fins previdenciários”.

Grupo Arco-Íris de Conscientização
O advogado que falou pelo Grupo Arco-Íris, Thiago Bottino do Amaral, reforçou a importância da função “contra-majoritária” do STF. Segundo ele, essa é uma função de “proteção de minorias”.

Amaral sustentou que, quando o Poder Legislativo se omite, “quando ele marginaliza, quando ele exclui, quando ele discrimina pela omissão, há um vício na democracia”. De acordo com advogado, esse vício é resultante da omissão do Poder Legislativo e “só pode ser sanado pelo Poder Judiciário”.
 
Ele acrescentou que as associações da sociedade civil vieram hoje ao Supremo para se colocarem como “vozes de uma minoria que não tem voz no Poder Legislativo, mas que mesmo sem voz, ou com uma voz muito abafada, tem direitos que devem ser protegidos para que se possa dizer que o Brasil é, sim, um Estado Democrático de Direito”.


Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais (ABGLT)
Ao defender a tese exposta nas ações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do governo do Rio de Janeiro, o advogado da ABGLT, Roberto Augusto Lopes, disse que é preciso firmar o entendimento de que expressões legais, constitucionais ou infraconstitucionais não podem ser interpretadas com a finalidade de excluir qualquer ser humano do campo de incidência do direito, sobretudo por causa da orientação sexual.
“Cada palavra, cada frase, cada artigo da Constituição Federal deve ser interpretado e aplicado de acordo com a lógica geral de sua formação, ou seja, do reforço do Estado de Direito, do exercício regular da cidadania, da igualdade, da liberdade e da não discriminação”, ressaltou.
Para o representante da ABGLT, “tribunais, órgãos da Administração Pública e do Estado não podem permanecer inertes como se a realidade social pudesse ser congelada ou paralisada em virtude do preconceito e da discriminação”.
Segundo ele, estatísticas de violência física e moral contra pessoas indicam  que “a ausência de uma legislação protetiva positiva combinada com posições de entendimento excludente, desiguais e não isonômicos acabam por reforçar a violência de caráter homofóbico”.

Grupo de Estudos em Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais e Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Minas Gerais (Centro de Referência GLBTTT)

O advogado que representou as entidades, Diego Neto, relacionou normas e convenções internacionais sobre o tema, garantindo que a discriminação por motivo de orientação sexual é injustificada e proibida perante o direito internacional.

“Para evitar que o Brasil incorra em responsabilidade internacional é fundamental que esse Tribunal recorra a instrumentos internacionais, ao direito internacional geral e a tratados internacionais na interpretação das disposições da nossa Carta Magna”, defendeu.

Ele citou decisões internacionais que garantiram o direito da não discriminação de orientação sexual, lembrando que a Corte Europeia de Direitos Humanos já determinou que o conservadorismo de uma sociedade não deve se sobrepor à livre orientação sexual e à expressão de gênero dos seres humanos.

Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis)
Para o advogado da Anis, Eduardo Mendonça, o caso em julgamento no STF “é polêmico”, mas “nem por isso é difícil”. Para ele, não há no caso elementos normativos em conflitos e o Estado não tem fundamento legítimo para discriminar a união de pessoas do mesmo sexo e não promover a equiparação ao regime de união estável garantido a casais heterossexuais.
Ele sustentou que o pedido do governo do Rio de Janeiro foi feito respeitando os parâmetros legais necessários. O governo fluminense apresentou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132), instrumento jurídico próprio para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e contestar norma anterior à Constituição de 88.
No caso, o governo do Rio pretende que os mesmos direitos dados a casais heterossexuais sejam aplicados aos casais homossexuais em relação a dispositivos do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio de Janeiro, que tratam sobre concessão de licença, previdência e assistência, uma norma de 1975 (Decreto-Lei 220/75).
Mendonça também afirmou que a matéria em debate no Supremo não é “propriamente ou puramente política”. Segundo ele, a falta de lei ou projetos de lei sobre o tema não impede que a Constituição Federal regule a questão, já que a Carta tem força normativa e não é compatível com uma solução discriminatória. 

Associação de Incentivo à Educação e Saúde do Estado de São Paulo (AIESSP)
O advogado da AIESSP, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, foi o último a falar em favor do reconhecimento da união homoafetiva. De acordo com ele, o artigo 226 da Constituição Federal não diz que a união estável é “apenas” entre o homem e a mulher. Esse “apenas” não está escrito, frisou o representante da entidade.
Para ele, existiria no caso uma lacuna legislativa. Assim, como a união homoafetiva é pautada no mesmo amor que permite a proteção do Estado à união entre o homem e a mulher, é possível que se dê ao caso um entendimento inclusivo, reconhecendo a união entre pessoas do mesmo sexo como união estável, defendeu.
Por fim, o advogado rebateu os principais argumentos dos que, segundo ele, defendem a discriminação: capacidade procriativa, moralismo e religião. Para ele, nenhum desses fundamentos pode ser considerado como elemento diferenciador de família. Assim, concluiu que, por ausência de fundamentação válida, é possível o reconhecimento da união homoafetiva.

Processos relacionados
ADI 4277
ADPF 132




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Quarta-feira, 04 de maio de 2011


KK,RR,MB/AD

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