segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Deputado e padre, José Linhares faz chacota com as famílias gays

Por Márcio Retamero* 11/9/2009 - 13:20


Anuncie

José Linhares Ponte (foto) é um senhor de 79 anos. Seria mais um aposentado brasileiro, caso não fosse deputado federal, representante do estado do Ceará, desde 1991. Afiliado ao Partido Progressista na atual legislatura (mudou de partido político cinco vezes), José Linhares é também sacerdote católico. Culto, além de teólogo e filósofo, formação obrigatória para os sacerdotes católicos, é também psicólogo.

Na Câmara dos Deputados, Padre Linhares é integrante da Comissão de Seguridade Social e Família. No dia 26 de agosto passado, aconteceu nesta Comissão a análise, debate e votação da PL 2285/07, também conhecida como "Estatuto das Famílias", da autoria do deputado Sérgio Barradas (PT - BA). A PL é formada por 275 artigos e substitui o Livro 4 do atual Código Civil Brasileiro, aprovado em 2002.

O artigo 68 do "Estatuto das Famílias" previa que casais homossexuais teriam direito a adotar filhos e ter a guarda deles, além do direito de herança, patrimônio e previdenciário. O autor da PL 2285/07 queria contemplar a diversidade das famílias brasileiras, reconhecendo como entidade familiar as várias modalidades de famílias existentes no Brasil, como, por exemplo, um pai que cria sozinho seus filhos ou irmãos que vivem numa casa sem a presença paterna ou materna.

O deputado padre José Linhares, conseguiu aprovar sua proposta de excluir o artigo 68 da PL, ou seja, ele conseguiu excluir a família formada por homossexuais. Declarou o nobre deputado eclesiástico à imprensa: "Quem tem direitos adquiridos não irá perdê-los. Um homem que vive com seu companheiro, por exemplo, poderá continuar a ser respeitado. Mas eles ficam lá, não teriam legitimidade jurídica".

Primeiro eu gostaria de saber do padre deputado que direitos adquiridos são esses! Sim, porque até hoje temos visto juízes julgando casos de homossexuais "viúvos", como eu, de diferentes maneiras, o que mostra que tais direitos adquiridos, na realidade, não existem, ou seja, ficamos à mercê do entendimento, da interpretação de cada magistrado. Cada caso é um caso, pois não há garantia de lei. Se existe uma Instrução Normativa do INSS que nos garante direito à pensão por morte, todos os que já recebem o benefício sabem o quão complicado é dar entrada neste pedido: quilos de documentos são exigidos e muitas vezes temos que abrir nossa intimidade para pessoas desconhecidas, levando cartas de amor, fotografias para "provar" que tínhamos um relacionamento estável.

Conheço outros homossexuais que, como eu, foram postos para fora de suas residências por liminar de um magistrado, porque o imóvel estava no nome do companheiro falecido. Plano de saúde do tipo familiar não conseguimos; financiamento conjunto para aquisição de casa própria também não; inúmeros direitos que os casais heterossexuais têm nos são negados; então, quais são os nossos "direitos adquiridos", vossa reverendíssima?

O nobre padre deputado diz que um homem que vive com seu companheiro poderá continuar a ser respeitado e eu pergunto: em quê? O senhor mesmo desrespeita milhares de homens e mulheres homossexuais, que vivem em união estável, quando nos exclui do "Estatuto das Famílias"! Fico me perguntando se tal declaração é sinal de insanidade ou chacota com o povo LGBT! Se o nobre padre deputado fosse verdadeiro, jamais declararia tal coisa, pois ele mesmo toma postura de desrespeito aos homossexuais que vivem em relação estável, ao nos excluir de um projeto de lei que nos reconheceria como família, o que de fato, somos! Deste tipo de respeito, estamos fartos, senhor deputado padre!

Queremos respeito de fato e o maior deles seria o reconhecimento pelo Estado da nossa cidadania plena, o que vocês religiosos congressistas nos têm negado nessa sanha absurda de nos negar cidadania, jogando na lata do lixo a nossa Carta Magna, quando ela mesma diz claramente que nenhum tipo de preconceito pode ser tolerado no Brasil! E vocês, religiosos políticos, nem coram a cara quando desobedecem a Carta Magna!

Negar-nos legitimidade jurídica é a maior falta de respeito que podemos ter enquanto cidadãos brasileiros! Usar de um entendimento estreito e estrábico das Escrituras Cristãs, além de usá-las como paradigmas para a redação e aprovação de leis, num Estado de Direito e Laico, é faltar com respeito duplamente: primeiro com seres humanos que são excluídos da norma jurídica pela sua condição; segundo, com o espírito democrático. Por isso, concluo que a infeliz declaração do deputado padre à imprensa foi a maior chacota lançada por um parlamentar na face dos homossexuais brasileiros até a presente data do ano de 2009; sim, chacota, porque de insano, um homem de 79 anos, padre, no exercício de consecutivos mandatos na Câmara dos Deputados até a presente data, nada tem!

Excluiu-nos do "Estatuto das Famílias" porque desobedece descaradamente o maior mandamento Daquele que diz seguir, Jesus, pois este quando topou com religiosos fariseus e saduceus criticou-os duramente quando negavam direitos aos excluídos (na linguagem bíblica: pobres, órfãos e viúvas), assim como também agiram os profetas do Antigo Testamento quando os religiosos do seu tempo trabalhavam contra os excluídos. O deputado padre que deveria cumprir exemplarmente suas duas funções, ou seja, trabalhar legislando inclusão, aprovando leis que contemplem párias sociais como homossexuais e como pastor de almas seguir o exemplo do Cristo que deu a vida por suas ovelhas, exerce seu mandato popular e seu ministério sacerdotal como um usurpador, sonegador de direitos alheios e lobo de ovelhas excluídas!

A Igreja Católica Romana ainda virá a público pedir perdão aos homossexuais por suas atrocidades contra nossa gente como fez com judeus, índios e negros! Parece-me que não aprendem nem mesmo com a história recente! Sim, pois não faz muito tempo que teve de reconhecer seu envolvimento e sua omissão, muitas vezes, diante das atrocidades que cometiam contra tais comunidades. Nós, homossexuais, não queremos pedidos de perdão, nem construção de monumentos à nossa memória daqui a dezenas de anos! Queremos respeito, queremos direitos, queremos cidadania já! Basta de hipocrisia! Digo ao padre deputado e a todos os padres homofóbicos o que Jesus disse aos fariseus: raça de víboras, sepulcros caiados, guias cegos! Deveriam cumprir o mandamento do amor ao invés de trabalhar contra "ovelhas que não têm pastor!"

Contudo, no caso do "Estatuto das Famílias", ou PL 2285/07, nem tudo está perdido, para a infelicidade dos usurpadores do direito alheio! Sim, há uma luz no fim do túnel. O deputado Barradas, autor da PL, aguarda a chegada do texto à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). A estratégia já foi posta em andamento, pois o autor da PL convenceu o deputado José Genuíno (PT - SP) para lutar pela relatoria da PL, com o objetivo de restaurar o texto original. Genuíno declarou sobre o caso: "A Câmara não pode ser dominada por essas concepções religiosas arcaicas", no que tem total razão, contudo, creio que a Câmara não pode ser dominada por concepção religiosa alguma, pois é uma Casa de Leis de um Estado Democrático e Laico (pelo menos no papel!).

Vamos torcer povo LGBT, para que a justiça seja feita na CCJ, para que a Câmara dos Deputados e o Senado aprovem a PL 2285/07. Torcemos também para que padres como José Linhares ou qualquer outro religioso que usa da sua fé particular para usurpar direitos aos excluídos saiam das urnas derrotados, pois é isso que merece quem age como eles!

Eu não sei a sua opinião, caro leitor, mas a minha, é que lugar de padre é no altar, celebrando missa; e na sociedade também, mas trabalhando a favor dos excluídos - como Oscar Romero, Pedro Casaldáliga, Hélder Câmara, Teresa de Calcutá, Dorothy Stang e muitos outros seguidores verdadeiros do Cristo - não contra, como demonstrou trabalhar o Padre José Linhares. Seja assim!

* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro - uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é: revretamero@betelrj.com.


Acesso em: 14/09/2009

Disponível em:http://acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=9228&Deputado+e+padre%2C+Jos%E9+Linhares+faz+chacota+com+as+fam%EDlias+gays

STF arquiva ação de evangélicos contra lei antidiscriminação

Por Paco Llistó* 11/9/2009 - 18:18


Anuncie

O Cimeb (Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil) acaba de sofrer uma derrota na Justiça. O STF (Supremo Tribunal Federal) arquivou a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4294, em que a entidade questionava a lei estadual 10.948, de autoria do ex-deputado Renato Simões (PT), sancionada em 2001 por Geraldo Alckmin (PSDB), que penaliza administrativamente quem discriminar alguém pela orientação sexual. As informações são do site Última Instância.

Segundo o site do STF, o Cimeb argumenta que já existe um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados (PLC 122/06), que criminaliza a homofobia em todo o território nacional. Na ação, a entidade pedia que o Supremo declarasse a sua inconstitucionalidade. "Compete ao Congresso Nacional instituir leis que tratem sobretudo que envolva a cidadania dos brasileiros", diz trecho da Adin.

No julgamento do STF, só podem ingressar com Adins as associações de classe de âmbito nacional e o relator, ministro Eros Grau, considerou que o Cimeb não tem esse caráter. Um dos autores da ação, o deputado evangélico Waldir Agnello (foto, PTB-SP), tem projeto semelhante na Assembleia paulista, que também pede a revogação da lei 10.948.

Em 2007, quando Agnello apresentou o projeto, o deputado alegou que o conteúdo da lei antidiscriminação era inconstitucional e que não tinha "viés discriminatório ou homofóbico", mas que defendia os " bons costumes".

A reportagem entrou em contato com o gabinete do deputado Waldir Agnello, mas não conseguiu localizar sua assessoria.

"Absurda"
Em entrevista ao site A Capa, Dimitri Sales, coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, disse que a ação do Cimeb é "absurda" e atenta contra os direitos humanos. "Não há como reduzir os direitos humanos. Essa é uma ação inconstitucional", afirmou. "Somos um Estado laico, os assuntos políticos não podem se misturar com os assuntos religiosos", acrescentou.

Na opinião de Sales, a ação não abre brechas para que tentativas semelhantes de derrubar a lei possam ser julgadas pelo STF. "O processo não prosperou no STF e e não vejo nenhum grupo hoje ou partido político que tenha força para questionar a lei", concluiu.

Vitória importante
Para o ex-deputado Renato Simões o fato de a ação ter sido derrubada pelo STF é uma "vitória importante, porque ajuda ainda mais no debate sobre a homofobia". "Mas não podemos esquecer que há três projetos de lei na Assembleia para revogar a lei 10.948, todos eles movidos por políticos religiosos", ressaltou o deputado.

Simões também não acredita na revogação da lei. "A lei é uma vitória dos direitos das minorias e ela dificilmente será revogada", disse. Para o deputado, a noção de Estado Laico ainda é mal compreendida por certos setores religiosos. "Isso faz com que tenhamos que conviver com essas posições obscurantistas", afirmou. "Tudo aquilo que envolve Estado e religião, acaba inevitavelmente sendo resolvido no Supremo, mas a Constituição é capaz de resguardar os direitos individuais."

* Colaborou Marcelo Hailer


Acesso em: 14/09/2009

Disponível em: http://acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=9233&STF+arquiva+a%E7%E3o+de+evang%E9licos+contra+lei+antidiscrimina%E7%E3o